terça-feira, 12 de novembro de 2019

Reforma da Previdência - Parte 2: Havia alguma alternativa viável?


Esta postagem é uma continuação desta, onde fiz uma análise da Reforma da Previdência à luz da Escola Batalha de Economia.

Não queria me estender muito pela polêmica e também por ser complicado resumir algo tão complexo, mas como não gosto de deixar as coisas pela metade resolvi concluir o assunto.

Mais uma vez adianto que o meu objetivo nunca foi de comemorar ou torcer por uma reforma. Não gasto meu tempo com isso, não tenho disposição para defender nada nessa área. É algo muito lógico, mas o fato de eu ser peão e não me posicionar não muda em nada o fato de ela ter sido aprovada.


A intenção na verdade é analisar fatos e dados e nesta postagem em especial avaliar se havia alguma alternativa. Na Escola Batalha de Economia a gente tenta entender como as coisas funcionam.


Vamos relembrar mais uma vez o problema:

Como bem explicado nesse artigo já tivemos 6 emendas constitucionais sobre previdência. Não cabe mais aquele tradicional "ah era pra ter sido mais debatida". Já são 20 anos que esse assunto vem sendo tratado...

Deficit 2018: R$197 bi (+7% em relação a 2017): arrecadou R$397 bi, gastou R$594 bi, gasto esse que corresponde a 8,6% do nosso PIB, ou seja: R$594 bi de um PIB de R$6,8 tri.

Em 2019:
Orçamento total: R$1,438 tri:
- Previdência: R$767,8 bi (53,4%)
- Saúde: R$118,6 bi (8,25%)
- Educação: R$98 bi (6,8%)
- Segurança: R$11 bi (0,78%)

Nos dias em que escrevi isso, houve alterações no senado que reduziram a economia para cerca de 800 bi. No final ainda saiu da reforma as mudanças no BPC, aposentadoria rural, mudança de idade mínima das mulheres e regras ficaram mais brandas para professore.


Mas afinal, havia alguma alternativa viável?

Uma dos maiores erros que podemos cometer é se considerar como o detentor da verdade absoluta. Sempre é bom se dar o benefício da dúvida. Baseado nisso pesquisei os motivos pelo qual não se deveria fazer uma reforma da previdência.

Depois de um bom tempo de pesquisas, achei essa imagem que resume bem os principais argumentos que encontrei. Comentarei cada tópico.


1) Seria lindo ver esses 476 bi de grandes devedores voltando, mas a verdade é que só dá pra recuperar menos de 100 bi parcelado pois a grande maioria das empresas já faliu. Se alguém descobrir uma forma de tais empresas voltarem das cinzas para pagarem seus débitos essa ajuda seria muito bem-vinda. E como o déficit é hoje de 200 bi anuais, admitindo que alguém conseguisse cobrar tudo isso, ele não taparia o buraco nem do primeiro ano.
"Ah, mas eles não cobram nunca os devedores ricos etc e tal": há um novo mecanismo de cobrança a inscritos na dívida ativa da União que caracteriza o “devedor contumaz”, ou seja, aqueles que apresentam, entre outras características, dívida igual ou superior a R$ 15 milhões por mais de 1 ano. O texto impede que esse tipo de devedor possa participar de programas de refinanciamentos, como os Refis, por 10 anos e permite o cancelamento do cadastro fiscal do contribuinte, caso constatado que o devedor causou desequilíbrio concorrencial.
Obs: Não podia deixar de falar o quão problemático podem ser esses Refis: já foram 40 desde o ano 2000: Premia o mau pagador e incentiva o bom pagador a ser mau também...

2) IGF é a sigla para o Imposto sobre Grandes Fortunas. De competência da União, previsto na constituição, é o único que nunca foi instituído. Não entendo como chegaram nesse valor de 14 bi, um valor que pouco resolve o problema (lembro de novo: déficit anual 200 bi)... Seria algo muito mais simbólico do que efetivo.
Mas então os economistas freestyle vão dizer: vamos aumentar o valor desse imposto! Quando exageram demais na mão, adivinha o que ocorre? Os ricos se mudam para outro país e muitas vezes levam junto seus negócios e então os pobres que trabalhavam para esses ricos ficam sem emprego.Vejam o que aconteceu na França: o governo acabou revogando a alíquota de 75% quando viu que afetava mil pessoas e aumentou em apenas 250 milhões de euros a arrecadação...

3) Eu sinceramente não tenho nem o que comentar pois não entendo de que forma o fim da reforma trabalhista faz 37 milhões de pessoas saírem da informalidade...

4) No mundo real, esse 1 trilhão seria incrível. Mais uma vez políticos e economistas freestyle alegam que metade do orçamento brasileiro é gasto com dívida pública fazendo muita gente acreditar. A verdadeira despesa anual do governo compreende: juros e encargos da dívida + amortização da dívida, o que deu um total de 360 bi em 2017, um valor bem distante da conta deles.
E um dos motivos da dívida não parar de crescer é exatamente pelo fato do país gastar mais do que arrecada ao longo de tantos anos. Para ter menos juros a gente precisa de superávit nominal para poder reduzir a divida.
Outro papo muito comum é dizer que somente os bancos se beneficiam disso. Os 2 grandes bancos privados (Bradesco e Itaú) detém 210 bi, menos de 5% da dívida pública. A maior parte dessa dívida está nas mãos de fundos de investimento, fundos de pensão, BNDES, FGTS, o próprio BC e o governo. Além disso, nós pobretas que compramos títulos do tesouro direto temos cerca de 1,5% da dívida.
A famosa "auditoria independente da dívida" questiona os métodos de cálculo, o que faria a dívida diminuir, mas isso ao custo de um calote. E ao dificultar o mecanismo de emissão de títulos para financiamento do governo, provocaria um aumento na taxa de juros, tendo em vista a dificuldade que seria pagar dívidas somente com o dinheiro dos impostos.
Eles são os mesmos que dizem que o Equador resolveu o problema da sua dívida, mas é o caso de um país que não tem moeda própria e que se aproveitou de um contexto bem especifico da crise de 2008 para negociar sua dívida cotada em dólares americanos, oferecendo aos credores a oportunidade de se livrar dos seus papéis com um deságio de 70%.

Se quiser entender melhor como isso funciona não deixe de ler esse artigo. Esse também é muito bom, com links para os dados do SIAF no site do Tesouro.

5) Esse é um ponto é o único que eu consigo concordar em alguma coisa. Os militares alegam que "nunca se aposentam", ficam em "disponibilidade". Maior balela isso aí. O governo afirma que o custo é menor mas promoveu um grande reajuste (característico de políticos que querem agradar seus apoiadores, nada de novo aqui) com a reestruturação das carreiras que vai implicar em aumento das despesas. Resumindo: receberam um aumento e mantiveram benefícios de integralidade e paridade que foram retirados de outras carreiras.

Argumento bônus - "Essa reforma só vai servir aos interesses do mercado financeiro": Esse é até engraçado. Olha o que ocorreu no último grande enriquecimento do "mercado financeiro" do país, quando eram exatamente as pessoas que esse pessoal tanto defende que estava no poder: O IBOV chegou a multiplicar por 5 nesse período, bancos bateram recorde de lucros, ações/lucros de várias empresas em disparada. Mas adivinha o que estava acontecendo ao mesmo tempo? Taxa de desemprego caindo, economia pujante e um dos momentos mais prósperos da economia do país. Pode parecer injusto eu sei, mas o mundo funciona assim: onde o rico prospera, há um pobre do outro lado ganhando emprego. Boa sorte pra quem tentar mudar isso aí...


Conclusão

A Grécia já chegou em estados como MG, RJ e RS e estima-se que mais da metade dos estados devem ir no mesmo caminho, principalmente por conta de gastos previdenciários elevados.

A ideia desses pensadores era que o governo devia trabalhar mais pelo lado da receita. O problema é que para bancar todas essas despesas do Brasil deveria crescer como uma China, mas não a de hoje, mas aquela dos bons tempos, que crescia uns 6 a 10% ao ano.

Encerro esse assunto com esse texto até porque está comprometendo minha meta de menos textão em 2019 e esse saiu grande pra kralho rs #pas

4 comentários:

  1. Tudo verdade mas que até agora só serviu para os interesses do mercado financeiro foi só. O único setor que está bem no Brasil é de especuladores da bolsa

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    1. Esse tipo de medida só produz efeitos no médio e longo prazo de forma que a maioria das pessoas quando percebem os efeitos nem lembram mais o que realmente propiciou aquilo.
      No momento as coisas ainda não estão boas, realmente. Já são mais de 3 anos de crise, o que ajuda a evidenciar o quanto ela prejudicou o país.

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  2. Olá, Zé Batalha.

    Vou ser polêmico, mas direto. Acho que qualquer pessoa minimamente liberal tende a defender a extinção da previdência pública e obrigatória. Quem quiser contratar um plano de previdência, que contrate um plano privado. Ninguém deveria ser obrigado a contratar um plano de previdência com o Estado. Embora politicamente seja quase impossivel, a extinção da previdência pública e obrigatória seria a medida ideal.

    Abraço.

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    1. Olá, Maximizador. Bem polêmico mesmo! rs
      Sou contrário também a muitas coisas que são obrigatórias, tais como o voto, por exemplo.
      Minha visão macro: Em relação a previdência eu vejo que poucos brasileiros tem educação financeira ou muitas vezes condições para guardar dinheiro para o futuro mas entendo que de alguma forma ele é necessário para evitar outros problemas maiores lá na frente para essa parcela da população.
      Minha visão dentro da estratégia Batalha: procuro fazer meus aportes e meu planejamento sem nem contar com o INSS. Mesmo com essa e futuras reformas que ainda virão não sei se o sistema vai dar conta pois é muito deficitário e problemático não só aqui como em vários países com condições muito melhores que o nosso. Se der certo quando eu me aposentar, que ótimo, será um bônus.
      Por sinal, muito bacana seu blog. Não conhecia. Já está entrando no meu blogroll.
      Abração!

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