terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Quais as reais chances de privatização?

Trabalho desde 2005 numa empresa pública de TI chamada Serpro, que consta na lista de privatizações, portanto o meu e o dos meus colegas de trabalho está na reta.

Mas como falei no post anterior foi necessário um pouco de coragem para cutucar esse vespeiro, portanto segue o disclaimer:

1) Pode parecer óbvio mas reforço que muitas coisas aqui são somente a minha opinião

2) Vou tentar ao máximo não fazer juízo de valor de político X ou Y, mas somente analisar os fatos sob meu ponto de vista, da forma que entendo como o mundo e o Brasil funcionam

3) Você tem todo direito de discordar dessa opinião (e isso é ótimo!) mas se o fizer nos comentários por favor tenha um mínimo de respeito



A VOLTA DO PLANO DE PRIVATIZAÇÕES

Já faz alguns anos que esse assunto vem entrando cada vez mais na pauta, algo natural tendo em vista a base em que se elegeu o atual governo, com uma pegada mais liberal. Se dependesse apenas do poder executivo praticamente tudo que fosse possível já estaria privatizado.

No começo se falava que só as estatais deficitárias seriam privatizadas para não agravar ainda mais as contas públicas tendo em vista que dependem de dinheiro da União. Depois falaram que as estatais lucrativas também seriam ótimas de vender pois são mais atrativas. 

Então me lembrei de algo bem óbvio que quando você quer fazer algo arruma um motivo e quando não quer arruma uma desculpa.

Quem já leu o que escrevo sabe que não sou a favor de intervenção estatal em excesso, mas é óbvio que sou contra a tudo que possa vir a prejudicar a qualidade do meu emprego e portanto não gostaria de ver a privatização dela. 

Tão óbvio quanto isso é que a minha opinião não vale de muita coisa no que o futuro reserva, mas este espaço aqui serve pra eu escrever o que penso para quem quiser ler.

O futuro da empresa que trabalho obviamente me preocupa, mas já faz um tempo que decidi tentar esquentar menos e entender melhor o cenário atual e o que pode vir por aí.

Zé Batalha analisando a situação e olhando para o futuro


O QUE OS FATOS RECENTES APONTAM

A vitória do governo na presidência da câmara e senado proporciona uma maior articulação política e com isso aumenta consideravelmente as chances de aprovação dos seus projetos, dentre eles as privatizações.

No que tange as empresas de TI, tivemos o recente posicionamento do STF que também ajuda a aumentar as chances de privatização. A decisão dispensa uma lei específica o que torna o processo bem mais simples.

Destacarei alguns trechos de uma entrevista que ouvi recentemente com o secretário de desestatização atual, Diogo Mac Cord, no podcast da Gazeta do Povo. Ele claramente afirma estar otimista com as privatizações, como não poderia deixar de ser na sua função.

Ele aponta um maior foco no projeto de privatização da Eletrobrás, que por sinal é a única privatização presente nos 35 projetos prioritários entregues pelo governo ao congresso.

Também é comentado que o senado hoje parece só ter interesse em aprovar a privatização da Eletrobrás com golden shares e o secretário é contra pois isso reduziria o valor de venda da empresa, sinal de uma posição que pode servir para outras estatais também.

Os próprios presidentes da câmara e senado não colocam a privatização como prioridade neste momento, mas sim aprovar o orçamento e medidas na luta contra a pandemia. 

Além disso, vejo autonomia do banco central, reforma tributária, administrativa, entre alguns outros projetos que devem ser tratados com maior importância que as privatizações. 


O CASO DAS ESTATAIS DE TI

Na entrevista, o secretário também foi muito claro ao dizer que as estatais de TI ainda estão em estudo. Preferiu não garantir nada ainda.

Até 30 de junho sai algo que creio que vai ser um divisor de águas de toda essa história: um diagnóstico completo de todas as estatais do governo e daí a conclusão do que deve ser privatizado/fechado ou não e os possíveis modelos.

O que não for privatizado a ideia é fazer o possível para deixar a estatal mais eficiente, focando em resultados, corte de custos, etc. Algo que eu particularmente já vejo sendo feito no Serpro e em outras estatais.

 

AS REAIS CHANCES

Desde o governo FHC creio que nunca tenha havido um cenário tão favorável para a aprovação de privatizações. 

Apesar das chances serem maiores a cada dia, não é algo tão simples de se fazer e o que tiver de acontecer não ocorre de um dia para o outro. 

O governo FHC obteve sucesso nesse aspecto. Chegou com a moral de ter criado o Plano Real, que resolveu um problema de muitos anos de inflação. Isso o fez ganhar muito apoio. 

O cenário hoje é diferente. E cada caso é um caso. Não é porque se conseguiu privatizar a empresa X que é garantia que a Y, Z e W o serão também.


AS MINHAS APOSTAS

O funcionalismo público tem um peso muito forte no congresso. O "Centrão" nunca foi liberal nem a favor do estado mínimo. Sempre foi importante para eles ter estatais para colocar os seus. 

As privatizações podem encarar resistência pois esses congressistas não querem perder sua influência em algumas estatais.

Creio que isso vem mudando aos poucos mas ainda temos muito dessa cultura. Ideias liberais nunca foram muito bem recebidas no país nem no congresso. Dentro do próprio governo há pessoas que só são liberais no discurso.

Também aposto que nesse não mandato presidencial pouca coisa deve ocorrer. 2022 já está bem aí. Além das coisas correrem devagar no Brasil, em ano de eleição pouca coisa acontece normalmente.

Em relação às estatais de TI

A minha aposta tendo em vista as características de Serpro/Dataprev é que ocorra no máximo uma abertura de capital, algo parecido com o que temos hoje na Telebrás. Eu ainda pago pra ver uma privatização completa.

Há particularidades em relação às estatais de TI que dificultam o processo tais como questões legais, confidencialidade de dados governamentais, entre outras.

Mas aí podemos questionar: abrir capital é privatizar? Pode ser, mas se for analisar por esse aspecto o BB está privatizado faz um século. Enquanto o controlador for o governo não acho que mude tanta coisa assim.

Outra coisa: ao contrário de outras estatais, não vejo como algo tão simples encontrar compradores. Ao contrário dos setores de energia e saneamento que enquanto você lê isso deve ter alguma sendo privatizada no mundo. Já é um modelo bem conhecido e utilizado.

Na verdade não vejo nem um caso parecido nessa área de TI, talvez o da Datamec, mas ela era muito menor que o Serpro.
 
Há boatos de big techs como Amazon ou Google que poderiam comprar as estatais de TI, mas basta analisar os modelos de negócios dessas empresas pra ver que não faz o menor sentido comprar, só se for pra fazer o mal mesmo...
 
A Ceitec já está bem encaminhada e essa eu aposto que nessa eles consigam fazer algo, mas é uma empresa muito pequena. Não dá pra comparar com o tamanho e importância de Serpro e Dataprev.


MAS SEMPRE É BOM LEMBRAR QUE...

Em 20 minutos tudo pode mudar, inclusive a minha visão... o congresso pode fazer um daqueles "acordos" e resolver começar a privatizar tudo o que for possível. 

Acho que todos nós sabemos como as coisas funcionam nesse país.

Só Deus sabe o que vai acontecer. Posso estar completamente errado na minha análise, mas essa é a minha visão hoje. Só resta aguardar...

5 comentários:

  1. Só na questão do julgado do STF, pelo que vi, posso estar enganado, o que foi decidido é que não há necessidade de lei específica para as empresas estarem no plano de privatização, mas caso essas empresas tenham sido criadas por lei específica e nessa lei conste que somente podem ser extintas por lei específica o administrador deve assim obedecer. Ou seja, o PDT que entrou com a ação não conseguiu o que queria, mas continua valendo a questão da lei específica para extinção de determinadas empresas, acho que é o caso do Serpro. Bom, de toda forma, havendo desejo político, essa lei específica tb não há de ser um grande empecilho.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é.
      Ontem analisei melhor o voto do STF:
      https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2020/12/5947131d7acab2_voto-carmen.pdf

      Acho que todos nós fazemos uma certa confusão entre o fato de entrar no PND (que não precisa de lei específica) e ser criada/extinta (que precisa)

      Pela Constituição Federal, artigo 37, inciso XIX:
      "XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;"

      Sobre a extinção de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista: ela é feita pelo Poder Executivo, mas dependerá, também de lei autorizadora específica, em respeito ao PRINCÍPIO DA SIMETRIA JURÍDICA. A iniciativa dessa lei é, igualmente, privativa do Chefe do Poder Executivo.

      A questão é essa tal de SIMETRIA... aí que fica mais difícil entender...

      "Enfatizou sobre o item a Advocacia-Geral da União:
      A exigência de lei específica para autorizar a retirada da presença estatal do domínio econômico típico da iniciativa privada é, nesse sentido, um contrassenso."
      "Nesse contexto, a Lei nº 9.491/1997, que criou o Programa Nacional de Desestatização assume exatamente esses contornos."
      "Essas são as razões pelas quais a lei que fixa a política de desestatização, ao contrário da que autoriza a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista, pode ser genérica, isto é, pode se dispensar de indicar caso a caso onde o Poder Público encerrará suas atividades."

      E no final do voto, temos:

      "Quanto às empresas estatais cuja lei instituidora tenha previsto, expressamente, a necessidade de lei específica para sua extinção ou privatização, é mister observe o administrador público a norma legal."

      Não encontrei isso na lei instituidora do Serpro.

      Excluir
  2. Atualizando... O Google me mandou essa matéria esses dias, que comenta sobre a lei específica para extinção/privatização:

    https://www.gazetadopovo.com.br/economia/privatizacao-stf-pacifica-entendimento-venda-estatais/

    "A única ressalva é para estatais 'cuja lei
    instituidora tenha previsto, expressamente, a necessidade de lei específica para sua extinção ou privatização'. Nesses casos, Cármen Lúcia alerta que o governo deve encaminhar projeto de lei ao Congresso pedindo permissão para venda da estatal. É o caso de Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Eletrobras e
    de estatais que exerçam atividades de competência exclusiva da União, como os Correios."

    ResponderExcluir
  3. Atualizando... hahaha. Chance zero, governo estatista e intervencionista.

    ResponderExcluir