Esta semana teremos o lançamento mundial do filme (live action) de Ghost in the Shell, dirigido por Rupert Sanders e estrelado por Scarlett Johansson, o que talvez seja o que mais chame atenção para o filme, que tem uma história muito maior por trás.
Ghost in the Shell é uma das maiores obras-primas sobre o universo cyberpunk já criadas. O mangá foi criado por Masamune Shirow em 1989. O anime foi lançado em 1995 pelo estúdio Production I.G e dirigido por Mamoru Oshii. É considerado um dos melhores animes da história.
A história é centrada na Major Motoko Kusanagi da Seção 9, uma hacker super talentosa e exímia combatente, que pertence a uma divisão de combate ao ciberterrorismo do governo japonês. A história se passa em 2029, num futuro distópico onde as pessoas têm um cérebro cibernético e se conectam ao cyberespaço através de cabos conectados à nuca.
Não assisti na época do lançamento pois àquela época sem toda a informação da internet não tinha acesso fácil a esses animes. Anos depois assisti por curiosidade. Creio que foi uma das primeiras vezes que pude perceber o quão profundo poderia ser um anime.
Na minha opinião Ghost in the Shell (abreviarei como GITS) é um dos maiores exemplos de como animes são subestimados. Muitos ainda tem ideia de que todos os animes tem um estilo mais juvenil do tipo
Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z,etc.
Gosto de filmes que me levem a reflexões, algo que há de sobra neste. Eu sempre descubro algo novo ao assistir mais uma vez (acho que já foram umas 10x). Creio que meu interesse por tecnologia e ficção científica aumentou depois dele, mas também acho que não é um filme para todos. Pode ser chato para alguns, mas é gosto.
Se você em 1999 assistiu Matrix e achou um filmaço (assim como eu), saiba que a inspiração dos irmãos (ou irmãs?) Wachowski surgiu de GITS, e este por sua vez foi inspirado nos livros Neuromancer e também em um livro de psicologia filosófica chamado Ghost in the Machine.
Capa do primeiro filme |
Filmes e Séries de TV
Séries:
- Ghost in the Shell: Stand Alone Complex - Tanto a 1ª (2002) como a 2ª (2004) temporada tiveram 26 episódios. Trata de várias operações realizadas pelo esquadrão da major, além de episódios avulsos que tratam da história de seus membros e algumas situações relacionadas a essa realidade distópica
- Ghost in the Shell: Arise (2013) - Foram 4 episódios de cerca de 50 min. Teve também a versão Alternative Architecture, que dividiu 8 episódios de 25 min e ainda acrescentou 2 episódios extras para fazer o link com o filme que saiu em 2015. Essa série trata dos eventos que ocorreram antes do filme original, tal como o processo de formação do esquadrão da major.
Eventos de Arise mostram a formação da equipe |
- Ghost in the Shell (1995) - o filme trata da major em sua operação para capturar o Puppet Master, e daí surge várias reflexões existenciais que mexem com a protagonista no decorrer da trama
- Ghost in the Shell 2: Innocence (2004) - a história ocorre cerca de 3 anos após os eventos do primeiro filme. Foca em Batou, parceiro da major, investigando uma série de assassinatos cometidos por robôs. Mais questionamentos filosóficos ainda, mas este não supera o primeiro filme, até porque é um filme mais confuso.
- Ghost in the Shell: Stand Alone Complex - Solid State Society (2006) - conclui os eventos ocorridos na série Stand Alone Complex
- Ghost in the Shell: The New Movie (2015) - dá sequência à história da série Arise e ao final ele faz a ponte com a história do primeiro filme, que deu inicio a franquia
Acho que nem preciso dizer que assisti tudo isso aí...
A tecnologia e a filosofia por trás de Ghost in the Shell
Vemos de tecnologias que ainda hoje podem parecer futurísticas a outras que consideramos normais nos tempos atuais. Imagino a mente do criador que foi capaz de pensar e ter tantas ideias relacionadas a conceitos avançados de biotecnologia, computação e redes em 1989, um ano que a internet como a conhecemos sequer existia.
Imagine um mundo onde todos tem um cérebro cibernético. Ao mesmo tempo que facilita a vida das pessoas, isso muda vários conceitos existentes até então. O que seria a morte já que eu posso morrer em corpo mas transferir a minha consciência, o meu cérebro, o meu ghost para um outro corpo humano cibernético, ou mesmo para uma máquina?
Consciências podem existir sem corpos. Então seria o cérebro parte independente do corpo? Um cérebro sem corpo orgânico pode ser considerado um humano? O que torna então alguém um ser humano num mundo assim, qual o conceito de indivíduo? Uma inteligência artificial desenvolvida e com vontade própria poderia ser considerada um indivíduo, então?
Nesta visão de futuro, sempre se fala sobre um mundo sem matéria, somente consciências trafegando como dados na rede, a se tornar parte do "mar de informação", o que guarda muitas semelhanças com a internet que temos hoje.
Muitas situações desse futuro distópico são exploradas:
- Um cérebro cibernético pode ser invadido e ter seus dados copiados e/ou alterados (inserção de memórias falsas). Vemos situações em que a major invade a visão de algum inimigo e se utiliza disso para facilitar uma invasão. Na série, vemos até momentos em que um hacker consegue alterar a visão da vítima.
- Em um mundo com corpos protetizados, idosos mais abastados podem transferir a sua consciência para corpos mais jovens, prolongando a sua "vida", assim como é simples dar manutenção ou substituir partes danificadas do corpo por outras mais novas, melhorando a sua "qualidade de vida"
- Acesso remoto ao ghost: em algumas operações a major controla um outro corpo remotamente a partir da sua mente
- Sincronização de memórias: em questão de segundos uma informação pode ser passada para outra pessoa. Pra que gastar 1 hora explicando ou ensinando algo? Vemos programas de treinamento que podem ser utilizados para aprender algo (algo bem copiado no filme Matrix)
- Aquisição de memória, controle de consciência e pessoas: os ataques terroristas chegam em um outro nível quando hackers conseguem comandar os movimentos de pessoas comuns a partir do momento que invadem seu cérebro cibernético
- Ainda sobre o item acima, cabe uma reflexão. Como a justiça decide quem cometeu o crime? A pessoa que atirou ou aquele que comandou ela remotamente (admitindo que você consiga identificar quem foi)? Imagine a mudança em toda a legislação que isso provoca na sociedade
- Já começa a surgir o questionamento das pessoas que não sabem se tratam o corpo como uma coisa ou uma pessoa. Mudar de corpo muitas vezes pode causar crises de identidade
É bem interessante a importância que a major Motoko dá a Togusa, tanto no filme original como em alguns momentos das séries, pois ele é o mais humano de sua tropa, o único sem próteses cibernéticas (somente no cérebro, como todos tem nessa época, assim como hoje todos tem um smartphone...). Ela parece querer contar com uma opinião distinta a partir do momento que considera ele a pessoa mais "humana" de todos do seu grupo.
Há várias teorias sobre a major Motoko. Em GITS: Stand Alone Complex cogita-se que ela nasceu "sem um corpo" (sua mãe foi morta grávida dela) e então ela acabou sendo desenvolvida e evoluída como equipamento militar, que custeou todo o processo. Em GITS: Arise vemos como isso explica o fato dela ser propriedade militar, até adquirir direito ao próprio corpo e depois ter mais direito a um orçamento e mais independência após cumprir com sucesso várias missões à medida que vai montando a sua equipe.
Sobre o filme que estreia essa semanaPelo que vi nos trailers, creio que ele vai pegar cenas notórias do filme original (como a clássica invasão ao prédio usando a camuflagem termo óptica), mas vai focar em aspectos interessantes de outros filmes e episódios das séries.
Camuflagem termo óptica |
Percebi alguém muito parecido com o Kuze do Stand Alone Complex, que tem uma história muito bacana. O filme deve explorar vários conceitos de forma que não se prenderá apenas ao anime original. Se fizer sucesso, o que será desafiador levando em conta o histórico de adaptação de animes para live actions na telona, pode ser que surjam continuações, pois há muita coisa boa a ser explorada.
Estou com uma boa expectativa pelo que vi nos trailers, pois dá a impressão de estarem respeitando não só o filme original, mas todo o conjunto da obra. Já percebi referências a vários filmes e séries somente no pouco que vi. Na minha lista de filmes mais esperados do ano, esse é o primeiro lugar.
Recomendo que ao assistir Ghost in the Shell não tentem entender tudo, pois acho que é quase impossível. Vale muito mais pelo prazer de poder filosofar com os amigos sobre essa obra numa mesa de bar.